sábado, 31 de agosto de 2013

A partida



Ela era uma moça que não sabia quem era.
Lúcia cresceu ouvindo sobre como ela devia "parar":
Lúcia ficou alta, e todos diziam que ela devia parar de crescer.
Depois ouviu sobre como devia parar de engordar. A seguir disseram que ela devia parar de emagrecer.
Disseram pra que ela "parasse em casa", e também disseram pra ela parar de ser caseira demais.
Falaram que Lúcia devia parar de alisar o cabelo, falaram pra que ela parasse de cachear.
Comentaram que ela devia parar de ser tão ácida, e também que ela devia parar de ser tão "insossa."
Disseram que Lúcia devia deixar de ficar em cima do muro, e também que ela devia parar de falar tudo o que pensava.

Lúcia estava confusa. O que essas pessoas esperam, afinal? Lúcia queria ser muitas Lúcias, pra poder ser do jeito que cada pessoa quisesse. O que Lúcia não contava por aí, é que de certa forma, ela se sentia muitas em uma só. Mas quem entenderia isso sem achá-la louca? Quem acharia isso tão legal quanto ela achava ser?
Lúcia foi falar com a mãe, e ela disse pra que Lúcia parasse de fazer drama.
Na falta de quem a amparasse, Lúcia foi procurar algo que a parasse. Resolveu deixar tudo isso pra trás e partir.
Pegou o primeiro ônibus que passou e desceu em frente a um prédio público.
Lúcia foi para o último andar, e permitiu que o chão fizesse por ela algo que ela mesma nunca conseguiu fazer. Ele a parou.
E assim Lúcia partiu. Partiu ao meio.




quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Os votos

“Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza,
até que a morte nos separe.”

Desculpe, mas não vou casar com você por “isso”. Não é por culpa sua, mas esses votos são vagos demais, entende?

Por exemplo: Eu prometo te amar ainda que você comece a ficar careca e com barriga de chopp. Prometo te amar mesmo se você esquecer a toalha molhada do meu lado da cama. Prometo que se você fizer algo que me desagradar, primeiro vou conversar com você, não com minhas amigas. Prometo que vou cuidar das suas gripes sem debochar do seu drama ao pensar que vai morrer. Prometo não implicar por você estar assistindo pornô, e ainda dou uma mãozinha. Prometo que não vou encher o saco pra ser o player 1 no videogame. Prometo SMSs quentes e inesperados no seu horário de trabalho. Prometo pagar integralmente a nossa conta do jantar no restaurante de vez em quando. Prometo tentar fazer piada do meu ciúme, depois que a raiva passar, claro.

Faz o seguinte: Promete que vai me amar quando eu estiver na TPM, que é quando eu vou ficar chorona, irritadiça, me sentindo estranha, feia e com vergonha de tirar a roupa pra você – mesmo morrendo de desejo.
Promete que vai me amar quando eu estiver descabelada e sem nem um pingo de maquiagem na cara, e ainda assim você vai me beijar e dizer que eu sou linda.
Promete que a gente não vai perder a vontade de beijar de língua. E que se isso algum dia acontecer, você vai me imprensar numa parede e me beijar assim mesmo, só pra ver se eu correspondo.
Promete que vai me amar quando eu surtar ao perceber que minhas linhas de expressão estão, finalmente, se transformando em rugas.
Promete que vai ver uma gostosa na rua, e que vai admirá-la, mas que vai pensar em mim e ter a plena certeza que não me trocaria por ela.
Promete que vai me amar quando eu pagar um mico em público – afinal, eu sou desastrada –, e promete também que só vai rir quando não tiver mais ninguém por perto.
Promete que vai entender quando eu ficar insegura, e que isso só vai fazer você me amar mais.
Promete que quando gostar muito de um livro, um filme, uma música, vai ficar ansioso pra compartilhar comigo e me fazer gostar também.
Promete que ainda vai me amar mesmo se eu discordar de algo que sua mãe falou.
Promete que vai amar o fato de eu adorar UFC e dar risada dos meus comentários sobre os corpos dos competidores, pra tentar disfarçar o ciúme.
Promete que você vai sempre se esforçar pra me fazer bater meu recorde de orgasmos.
Promete que vai me surpreender com um jantar romântico naqueles dias em que eu sair da empresa querendo matar o meu chefe.
Promete que vai me amar quando eu quiser perder tempo numa DR sem futuro.
Promete que as características que eu possuo – e são as responsáveis por fazer você se casar comigo – não serão o motivo de uma possível separação.
Promete que vai continuar me amando ainda que um dia o amor acabe.
Promete. Promete, que eu caso.





segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A nova companheira



Desde que você foi embora, ela veio morar comigo. Tem sido uma companheira constante, como você costumava ser alguns meses antes de ir embora.
Quando chego em casa ela corre para me abraçar, me faz companhia enquanto eu janto e se enrosca bem apertado no meu peito quando deito para dormir. E de manhã ela faz questão de ser a primeira a me dar “bom dia” no exato instante em que abro os olhos.
Me arrasto para o banho e ela entra comigo, se envolve em mim e meu corpo reage. Mas meus pensamentos durante aquele momento são todos para você, que fique bem claro.
Tomo meu café da manhã enquanto ela me observa comer. Uma forma de lembrete para que eu não esqueça que ela está ali. Que é ela a nova dona da casa, a nova dona do meu coração.
Pego o carro, entro, ligo o som. Ela me olha da porta, manda um beijo e me diz que vai estar ali, me esperando voltar. E eu não duvido disso nem por um segundo.
Ao longo do meu dia de trabalho você entra em meus pensamentos, imediatamente ela também vem. Não consigo separá-las. Ao pensar em uma, obrigatoriamente penso na outra. É que, por mais que eu te ame, é ela quem faz parte da minha vida agora, é ela quem sempre me dá a certeza que nunca vai me deixar. E não tendo você, eu me agarro a ela.
Meu dia passa. Chega a hora de voltar para casa. Hora de reencontrar minha nova companheira. Mas, meu bem, eu admito que com ela eu me sinto sozinho, de um modo que nunca me senti enquanto estava com você.
E eu te juro: A colocaria para fora a pontapés se você voltasse. Então, por favor, volta, que essa saudade já está morando comigo há mais tempo do que eu gostaria.



quarta-feira, 14 de agosto de 2013

MESMO QUE MUDE




O telefone tocou. Um número que não constava na agenda, porém era vagamente familiar, apareceu na tela. Ela atendeu.
— Alô?
— Alô, quem é? – Aquela voz... Não era a primeira vez que ela a ouvia.
— Eu que pergunto: Quem é?
— Sou eu – ele esperou um pouco antes de dar o golpe –, Pedro.
Ela silenciou por alguns poucos segundos enquanto euforia, ansiedade, expectativa, saudade e medo tomavam conta de todo o seu corpo e ondas intensas de adrenalina inundavam o seu sangue.
— Não pode ser...! Pedro? Pedro?! É mesmo você?!
— Sim, sou eu.
— Você é louco – ela ficou sem saber se ria, se sentia surpresa, se lhe dava uma bronca ou se dançava a Macarena pelo quarto. – Você é louco!
— Eu sei disso.
— Tá tudo bem? O que aconteceu?! Você tá bem? – ela pensou em mil e um motivos pra ter recebido aquele telefonema, nenhum era lá muito bom.
— Sim, eu tô bem.
— Seis meses sem termos nenhum contato... e eu acreditava que jamais teríamos novamente. Pedro, o que houve?
— SEIS MESES... Parece que foi ontem, né?
— Não. Na verdade, pra mim pareceram seis meses. Agora diz o que aconteceu pra você me ligar depois de todos esses meses.
— Na verdade, já faz tempo que eu queria te ligar.
Ela não esperava por isso. Ela ainda pensava nele, ainda sentia saudade, mas não admitia isso pra ninguém. De qualquer modo, ninguém se importaria. O que ela não esperava é que ele também pensasse, que também sentisse saudade e muito menos que um dia ele admitiria isso, ainda que em outras palavras.
— E por que esperou os seis meses?
— Não tem motivo específico. Mas eu sabia que, depois daquilo, o próximo passo tinha que ser meu.
— Você tem certeza que quer isso?
— Se quero isso... O quê?
Ela parou um pouco pra pensar, o cérebro trabalhava a mil por hora lembrando de tudo. Lembrou como se conheceram, e como ela foi boba e desesperada, e como ele foi frio, e como o distanciamento se abateu inúmeras vezes, e como houve a decepção e por fim lembrou sobre como ela passou mal por quatro dias inteiros.
— Essa... reaproximação – ela sabia o que queria dizer, mas as palavras ficavam entaladas. – Você tem certeza que quer isso?
— Sim, eu tenho certeza.
— É que, você sabe... O nosso histórico não é muito bom. Se eu fosse você, eu fugiria de mim.
— Eu não quero isso.
— Eu mudei, Pedro – e grande parte da motivação dessa mudança foi ele. Ela se tornou um bicho arredio e amedrontado que adotou a indiferença e a agressividade para se defender. Não queria mais criar vínculos com ninguém, não queria mais expor o que sentia. Ela já tinha aprendido a lição. – E eu tô com medo que tudo aconteça de novo. Eu sou um gato escaldado e tenho medo de água fria.
— Então esse é o segundo “adeus”?
Não... Definitivamente aquele não era o segundo adeus. Ela não queria que fosse. E sentiu o coração ficar pequenininho diante da ideia de uma nova despedida.
— Não é bem assim... Eu só... Não sei como agir, entende?
— Então deixa fluir. Deixa ver no que dá.

E ela seguiu o conselho, deixou aquela conversa continuar enquanto notava a clara falta de costume que ela sentia após tantos meses de ausência. Ela sabia que precisavam reaprender a lidar um com o outro. Ela estava confusa e não sabia muito bem como agir com ele, muito provavelmente ele também estava tentando entender a nova pessoa que ela era (ou ao menos, que aparentava ser). Ela queria que ele se aproximasse, mas tinha medo de deixa-lo se aproximar novamente. Ela queria que eles voltassem a se conhecer, mas tinha medo das consequências dessa intimidade. Ela queria que ele continuasse a surpreendê-la positivamente, mas tinha medo de não saber o que viria. Ela queria tantas coisas, mas o medo a fazia conter a expectativa enquanto seu lado sonhador tentava se agarrar à esperança de que talvez um novo adeus não voltasse a ser necessário.


Ela vai mudar.
Vai gostar de coisas que ele nunca imaginou.
Vai ficar feliz de ver que ele também mudou.
Pelo jeito não descarta uma nova paixão,
mas espera que ele ligue a qualquer hora,
só pra conversar
e perguntar se é tarde pra ligar;
dizer que pensou nela
e estava com saudade,
mesmo sem ter esquecido o que passou.

Ele vai mudar.
Escolher um jeito novo de dizer "alô".
Vai ter medo de que um dia ela vá mudar
e que aprenda a esquecer sua velha paixão.
Mas evita ir até o telefone para conversar
pois é muito tarde pra ligar.

Mesmo que mude - Bidê ou balde